quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Tempos de escolha


*Cristovam Buarque

Por três anos, a população de Brasília assistiu ao governo do Distrito Federal e ao Governo Federal construir, ao custo de dois bilhões de reais, um estádio para 70 mil espectadores - em uma cidade em que seus times carecem de torcedores - enquanto a poucos quilômetros seu Teatro Nacional estava fechado e se degradando.
Diante deste desperdício de recursos e deste crime contra a cultura brasileira, os artistas de Brasília silenciaram por duas razões: a afinidade em relação aos governos federal e local, e a tradição brasileira de considerar que os recursos fiscais são ilimitados, sem disputa entre as diferentes prioridades. O caso de Brasília não foi único: nos últimos anos, dezenas de museus, cinemas, teatros foram sendo depredados, degradados e abandonados, ao lado de novos estádios e outros gastos públicos.
Mesmo entre os poucos artistas que se manifestaram em defesa da recuperação do teatro, nenhum se manifestou contra o desperdício do estádio por não perceberem que cada tijolo usado em uma obra não pode ser utilizado em outra; eles não tinham a percepção de que os gastos públicos exigem escolha: estádios ou teatros, viadutos ou escolas, palácios ou saneamento.
Felizmente, nesta semana, o Ministro Roberto Freire e o Presidente Temer assumiram o compromisso de recuperar e reabrir o Teatro Nacional Claudio Santoro. Mas, diante das novas regras que definem um teto para os gastos da União, a vida política e fiscal brasileira vai entrar em um tempo de realismo na escolha de suas prioridades. A disponibilidade de recursos orçamentários para uma ou outra finalidade vai depender de luta política na elaboração do orçamento federal. Por isso, os artistas que até aqui assistiram calados um teatro definhar na sombra de um estádio que surgia precisam estar atentos. Será preciso convencer os eleitores para que eles convençam os governos e parlamentares a preferirem um teatro necessário a um estádio sem função. Caso contrário, democraticamente, o teatro continuará fechado e o estádio vazio.
Os gregos separaram aritmética e dramaturgia, a fantasia nos palcos e a realidade na política. Foi a aliança dos políticos de todos os partidos com os líderes de classes, patronais ou trabalhistas, que nos passaram a ilusão de que os recursos financeiros públicos seriam ilimitados, permitindo fantasias na política. A partir de agora não bastará lutar por mais recursos para o teatro, será necessário lutar também para tirar recursos para outras finalidades. A política subirá para o mundo da realidade, por disputas conforme interesses, preferências, lutas entre classes. A ilusão ficará no palco, nos roteiros das peças, nas partituras, no destino dos personagens, não na política e nas finanças. 
Pena que muitos ainda preferem a ilusão fiscal do orçamento à ilusão artística do teatro; e o sectarismo faz com que alguns artistas fiquem contra a recuperação do teatro porque estará sendo feita por um governo ao qual se opõem.

Carla Spegiorin
Coordenadora de Comunicação
Senado Federal, Gabinete do Senador Cristovam Buarque
Anexo II, Ala Teotônio Vilela, Gab. 10
70165-900 Brasília-DF
Telefone: + 55 (61) 3303-2284

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