Foto: Reprodução.
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Diante da recente polêmica em torno de um outdoor do Projeto Poesias nas Ruas, peça divulgada no município de Ilhéus, Território Cultural Litoral Sul, o Movimento Negro Unificado – MNU/Ilhéus vem a público informar que:

O Projeto Poesias nas Ruas foi aprovado pelo Fundo de Cultura da Bahia em 2013 e tem o propósito de promover a difusão de produções literárias afro-brasileiras. Para tanto, a equipe gestora do projeto optou por destacar a produção poética de autoras/es negras/os que vivem na Bahia, dessa forma contribuindo para romper a invisibilidade que atinge tal acervo.

A referida ação cultural foi dividida em três etapas: a primeira foi um seminário realizado em Julho de 2014, na Academia de Letras de Ilhéus, evento que mobilizou um público variado (educadoras/es, estudantes, produtores culturais, artistas) e que destacou as relações entre a poesia afro-brasileira e o hip hop, dentre outros temas. Ainda na primeira etapa foram realizadas duas oficinas em colégios públicos situados nas áreas urbana e rural do município de Ilhéus, ação que beneficiou diretamente crianças, jovens e adultos das comunidades de Sambaituba e do Teotônio Vilela, tendo como foco as produções artísticas afro-identificadas. Portanto, as três ações formativas se destinaram à implementação da lei 10.639/03, aprovada em âmbito federal há mais de uma década e, infelizmente, ainda ignorada nos espaços escolares.

A segunda etapa consistiu na organização de um blog literário e uma FanPage da rede social Facebook, a fim de divulgar as produções das/os escritoras/es que aceitaram participar do projeto. Frequentemente os dois espaços virtuais vem sendo alimentados com materiais audiovisuais e escritos destinados a fomentar o debate sobre a importância de uma educação antirracista. O fluxo de acesso diário tem crescido, de modo que já se consolidou como importante plataforma de discussão.

A terceira etapa, que está em curso, é destinada à divulgação, através de uma série de bussdoor e outdoor, de parte poesia de oito escritoras/es baianas, além da produção coletiva das/os estudantes que participaram das duas oficinas supracitadas. Importante ressaltar que todas/os as/os escritoras/es participaram do projeto de maneira voluntária e, para tanto, autorizaram a veiculação de seus textos, certamente por entender a importância de se criar espaços para a difusão da literatura não-canônica. Neste momento, portanto, encontram-se espalhados pela cidade de Ilhéus poemas (ou trechos) de Nelson Maca, Tereza Sá, Telma Sá, Renailda Cazumbá, Say Adrinka, Alex Simões, Larissa Pereira, Mel Adún, Valquiria Lima e Lívia Natália.

Apesar de todas as etapas cumpridas, o nosso projeto só teve repercussão em outras regiões da Bahia a partir de um fato lamentável: a tentativa de censura ao poema “Quadrilha”, da autora Lívia Natália, após veiculação num outdoor que compõe a série supracitada. Foram diversos os ataques e as intimidações realizados em redes sociais e por telefone, os quais foram dirigidos à autora e também aos coordenadores do projeto.

A partir de uma leitura unilateral do poema alguns grupos chegaram até mesmo a exercer pressão na tentativa de obrigar os concessionários do setor de mídia a retirarem o outdoor do nosso projeto, infelizmente numa releitura da opressão vivida nos tempos da ditadura militar. Parlamentares ligados à polícia militar e associações representativas da categoria fizeram uso da imprensa para veicular alguns absurdos, como por exemplo, que o Governo do Estado teria se utilizado de verbas publicitárias para atacar a PM.

Considerando tal sequência lamentável e estarrecedora, é importante lembrar que estamos num sistema democrático, em que toda e qualquer instituição, principalmente pública, pode ter sua atuação questionada livremente. No que se refere à temática que envolve o poema da autora Lívia Natália, são os dados da Anistia Internacional que nos dizem: a polícia brasileira é a que mais mata no mundo. Segundo esse levantamento, entre as vítimas da violência policial, entre 2010 e 2013, 99,5% eram homens, quase 80% das vítimas eram negras e três em cada quatro, 75%, tinham idades entre 15 e 29 anos.

Entre os casos de abuso, tornou-se inesquecível o episódio envolvendo Amarildo, um homem sem nenhuma passagem pela polícia, trabalhador da construção civil, filho de uma empregada doméstica, que foi conduzido da porta de sua casa, na comunidade da Rocinha, e nunca mais voltou. Em Salvador, o recente caso de extermínio de 12 pessoas no bairro Cabula também demonstra o perfil de atuação de alguns agentes militares. Os exemplos são incontáveis e, tristemente, se repetem. Por isso é preciso discutir amplamente com a sociedade o modelo de segurança pública no Brasil, nós, preta/os sabemos qual modelo não queremos: o do genocídio da população negra. Por isso lutamos, por isso não nos calamos.

“a poesia não aceita algemas, nem acredita em bombas de efeito moral” (Heitor Brasileiro, poeta ilheense)

Movimento Negro Unificado (MNU), Ilhéus-Bahia, 12/01/2016.

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