Postado por Planeta Educação
João Luís de Almeida Machado Doutor
em Educação pela PUC-SP; Mestre em Educação, Arte e História da Cultura
pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP); Professor Universitário
e Pesquisador; Autor do livro "Na Sala de Aula com a Sétima Arte –
Aprendendo com o Cinema" (Editora Intersubjetiva).
Educadores também salvam vidas
Se
tivesse que sintetizar e responder em poucas linhas a
questão‑título deste texto, não teria
dúvidas, diria que educação
de qualidade é aquela que garante ao cidadão
acesso, compreensão e uso das possibilidades a ele
concedidas pelo conhecimento, de forma crítica,
cidadã, ética e fraterna.
Nesse
sentido, creio ser de grande valia analisar alguns dos termos‑chave
desta síntese, a principiar pela própria
expressão “educação de
qualidade”, que pode ser entendida, para início de
conversa, como redundante, apesar de bastante necessária. O
acréscimo do vocábulo
“qualidade”, definido no dicionário
Aurélio como sendo a “propriedade,
atributo ou condição das coisas ou das pessoas,
que as distingue das outras e lhes determina a natureza”
ou ainda como aquilo que define padrões de “superioridade,
excelência”
para alguém ou algo deveria ser inerente, ou seja, entendido
como característica presente ou, no mínimo,
almejada para a educação.
Não é isso o que acontece. Quando falamos
simplesmente de “educação”
não agregamos a este conceito, a princípio, como
dado permanente e presente, ou ao menos esperado, a ideia de
prática virtuosa, superior. Ou seja, Educação
e Qualidade
não são palavras que entendemos como
irmãs, emparceiradas e unidas de forma
indissolúvel. Ao menos não até o
momento. Por isso utilizamos como distintivo a expressão
“educação de qualidade”.
Há, portanto, em nosso horizonte,
“educação” e
“educação de qualidade”.
O que
esperamos é que isso venha a acontecer, de tal modo que, ao
falarmos em educação num futuro indefinido, que
esperamos próximo, já concebamos tal
ação ou área de
atuação como sendo de
“qualidade”, ou seja, de alto nível.
Indo um
pouco além na definição inicialmente
apresentada, daria enlevo à ideia de que a
educação deve “garantir” ao
cidadão acesso, compreensão e uso do
conhecimento. Não vivemos num país em que as
garantias sejam culturalmente significativas, a não ser que
nosso direito de consumidores seja diretamente afetado pelo mau
funcionamento de um televisor ou de um computador, por exemplo.
A
garantia de uma educação que ofereça
possibilidades reais de progresso dentro do contexto social,
econômico e político em que vivemos, a todo e
qualquer cidadão, não deveria ser apenas um belo
discurso apregoado em nossas leis. O não cumprimento deste
preceito constitucional deveria resultar em penalidades a todas as
pessoas que, responsáveis por essa
ação, não proporcionarem reais
possibilidades a seus alunos de atingirem metas e resultados que
comprovadamente garantam a eles o esperado sucesso educacional.
E o que
queremos dizer com “sucesso educacional”? Altivez,
voz ativa, capacidade e ensejo à
participação, condição de
avaliar criticamente as variáveis do mundo em que vive,
compreensão dos códigos e normas que regem a vida
em sociedade, respeito pelo próximo,
mobilização em favor de valores universais [como
a paz e solidariedade] e capacidade de empreender, de realizar,
são atributos esperados para que possamos atestar tal
sucesso.
Mas
estes resultados acontecem ao longo de toda a vida, cabendo a escola
papéis aparentemente “menores” nesta
jornada rumo ao cidadão consciente, integrado, participativo
e solidário mencionado como aquele que atinge o sucesso
educacional. Às escolas competem ações
mais objetivas e claras como a alfabetização e o
letramento, o estímulo e a prática da leitura, a
compreensão e uso da linguagem matemática, o
acesso a línguas estrangeiras, o ensejo e
apreciação das artes, o entendimento do mundo e
da humanidade a partir das ciências humanas, o incentivo
à prática desportiva...
E
é justamente neste ponto que reside a necessidade de virar a
mesa e compreender que, todas estas ações
empreendidas pela escola, em parceria com a família e a
sociedade como um todo, ungida e promovida pelas forças
políticas que comandam o país [independentemente
de bandeiras políticas], constituem o alicerce fundamental
para a consecução da
educação de qualidade, aquela que concretiza o
sucesso educacional.
Cada
ação educacional, realizada da forma mais
competente, profissional e plena possível tem a capacidade
de consolidar nos estudantes mais e melhores possibilidades de
êxito em suas vidas. E mais, o entrelaçamento de
todas as ações e práticas realizadas
ao longo da vida escolar de uma criança é capaz
de definir aonde ela poderá chegar, ou seja, se
será um técnico especializado, um
médico a salvar vidas, um professor competente ou se
irá purgar em sua existência terrena, subempregado
ou desempregado, mendigando pelas ruas, vivendo em barracos ou embaixo
da ponte...
Costumo
ressaltar que assim como os médicos, também os
professores [e todos os outros profissionais, cada qual no seu
ínterim, em sua área de
atuação] são capazes de salvar vidas.
Se ao médico compete realizar tal ato de forma mais
palpável e visualizável aos nossos olhos, no caso
dos educadores, a educação qualificada pode
significar melhores empregos, participação
política, compreensão das leis, capacidade de
manifestação...
Indo um
pouco além das garantias e dos resultados
proporcionáveis pela educação de
qualidade, devemos também refletir quanto ao uso do termo
“cidadão”
surgido na afirmação inicial que embasa este
texto. Não é possível crer como sendo
“cidadãos” nossos conterrâneos
brasileiros que não tem acesso garantido a um sistema
educacional que lhes garanta autonomia e
condições de igualdade na luta por uma vida mais
digna. Cidadania encerra, enquanto conceito, a compreensão
de que para seu pleno exercício devam existir algumas
prerrogativas básicas, entre as quais, certamente, a
educação [de qualidade] “puxa a
fila”.
Cidadão, de acordo
com o Dicionário Aurélio, é o
“indivíduo
no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado”.
Como alguém pode usufruir dos direitos e cumprir com os
deveres estabelecidos por qualquer Estado estabelecido de acordo com
prerrogativas democráticas se é alijado logo de
princípio por não ter acesso ou não
dispor de educação que lhe conceda os quesitos
mínimos para o exercício de suas
responsabilidades e gozo de seus direitos?
O
mínimo que se pode dizer é que vivemos paradoxos
como o da cidadania que é concedida por lei, mas
incompreendida por quem a ela deveria ter acesso por incapacidade para
o exercício da leitura... Ou ainda que tenha o poder de
ditar os rumos políticos do país
através do voto, os brasileiros na realidade não
decidem por não estarem aptos a entender com a devida
profundidade quem são os candidatos, os partidos, as
plataformas ou mesmo quais as funções de cada
cargo eletivo...
De
qualquer forma, ainda que compreendamos tudo aquilo que já
foi debatido nestas linhas [e isto nos torna privilegiados num
país em que ainda existe expressivo contingente de pessoas
que não tem acesso ou capacidade de compreensão
para tal], cabe finalizar o presente artigo destacando que ao
cidadão brasileiro [ou de qualquer nacionalidade] deve ser
dado e executado o direito de acesso, compreensão e uso do
conhecimento humano.
Neste
sentido precisamos de escolas que não apenas
“reproduzam” e despejem conhecimento livresco sobre
nossos estudantes. Promover o pensamento, a prática
científica voltada para a aplicação em
prol da sociedade, a capacidade de participação,
o ensejo as artes e aos esportes não apenas como discurso ou
como “objetivo” que consta dos planejamentos anuais
é algo a se realizar. As escolas precisam ir além
do acesso ao conhecimento, promovendo de forma clara e consistente
também a compreensão e, em especial, a
utilização destes saberes em suas vidas.
Agora,
é preciso igualmente forçar a leitura
até o final da definição apresentada
quanto à “educação de
qualidade” para que não nos esqueçamos
que o acesso, a compreensão e o uso do conhecimento devem
ser sempre guiados por conceitos de fraternidade, justiça,
lealdade, criticidade, ética e cidadania. Só
assim teremos, de fato, atingido o almejado sucesso educacional. Apenas
contando com estas bases como o apoio à
aplicação dos saberes acessados e em
utilização é que poderemos ter certeza
que atingimos, de fato, a educação que cremos ser
de qualidade...
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