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A
indignação com a negação de liberdade aos escravos só começou a contaminar a
mentalidade da sociedade a partir da segunda metade do século XIX. Ao longo de
300 anos, a Igreja Católica apoiava, os proprietários de terra precisavam, as
classes médias se beneficiavam, e raros intelectuais criticavam a escravidão. A
escravidão era cômoda e natural para a “classe” branca: não havia indignação
nem pretextos morais para extingui-la.
Enquanto
era defendida por razões lógicas ou econômicas, a causa abolicionista adquiria
algum apoio, mas não conseguia os seguidores necessários para se impor sobre a
mentalidade histórica que aceitava natural a desigualdade entre brancos e
negros. A Abolição só se consolidou quando os abolicionistas conseguiram passar
indignação moral contra a escravidão. Mais de cem anos depois, a população
brasileira ainda não sente indignação moral com a moderna escravidão decorrente
da desigualdade no acesso educacional de cada criança, dependendo da renda da
família.
A má
educação ainda não é vista como um navio negreiro que leva milhões de crianças
carentes em direção à pobreza, e leva o país à baixa produtividade, má
distribuição de renda, violência, ineficiência e a injustiças. Não se consegue
visualizar que uma criança fora de boa escola é como se ela fosse uma pessoa
sendo jogada ao mar, crescendo para ser explorada e excluída devido à negação
da educação. Não há nem mesmo um nome para indicar “negação de educação”, como
havia a palavra escravidão para indicar “ausência de liberdade”.
A negação da liberdade a um escravo era visível
na sua servidão, no trabalho forçado, na venda dele próprio e de seus filhos,
mas a negação de acesso à educação não é vista como um crime nacional contra a
humanidade; nem como uma burrice contra o futuro do país.
A
partir do século XIX, a escravidão passou a ser uma aberração moral, mas ainda
era um instrumento técnico para uso do mais importante vetor econômico, que
eram os braços dos escravos; no século XXI, a negação da educação —
“an-educação” — é uma aberração moral, mas também é uma estupidez nacional ao
impedir o aproveitamento do mais importante vetor do progresso nos tempos
atuais: o conhecimento de cada cidadão ou cidadã livre e educada.
Apesar
disso, a ausência de educação de qualidade para todos ainda não é vista como
uma indecência social e uma estupidez econômica. Lamentavelmente, é difícil
provocar a indignação da população contra esta tragédia. E sem este despertar
moral, o Brasil continuará seu atraso em relação ao resto do mundo, e manterá
as injustiças a que nos acostumamos dentro de nosso território, como acontecia
nos séculos da escravidão.
Zinda Perrú
Assessora de Imprensa
Gabinete Senador Cristovam Buarque (PPS-DF)
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