segunda-feira, 17 de março de 2014

O Gênesis cheio de alma do Tião

*Por Cristovam Buarque
Lembro quando cerca de dez anos atrás Sebastião Salgado me disse que embarcaria em uma aventura de anos e que iria as mais diversas partes do mundo fotografar as coisas que ainda existem como eram no início dos tempos e que provavelmente não mais existirão no final do século XXI. Passados os dez anos, as fotos deram origem ao magnífico livro “Gênesis”.
Visitar o “Gênesis” é como mergulhar no passado da Terra, da Vida e do Homem. Vemos cenas geológicas que datam e têm a cara do início do Planeta; vegetação e animais que datam do reinício da vida, depois do meteoro que provocou a extinção de quase todas as formas de vida então existentes; e humanos que vivem hoje como viviam nossos mais antigos ancestrais.
O milagre do “Gênesis” é que a beleza posta pelo tempo não vem da antiguidade das fotos, mas da antiguidade do que é fotografado agora.
É como o filme de milênios em um instantâneo da história natural do mundo. Milhões de anos condensados e congelados em um instante. O observador sente-se viajando ao passado distante, muito distante, vendo ao mesmo tempo o mundo como ele foi e o que ainda resta do que foi.
Além do despertar estético que vem da beleza, as fotos do Tião nos despertam para a necessidade de uma consciência ética: a irmandade com esses ambientes, com essas formas de vida que são ao mesmo tempo nossos primos distantes e nossos contemporâneos parceiros da Vida.
Sebastião Salgado faz parte, com extrema genialidade, de um grupo de fotógrafos que, além de se apropriar da beleza que há no mundo, coloca alma nas nuvens, nos rios e nas montanhas. Suas pessoas não são esculturas de um passado são gente com espírito.
Ele usa a luz e suas formas, como elas são, mas cria sombras e nuances que perturbam o observador. Ele consegue ser Miguel Angel e Aleijadinho, a perfeição técnica e a paixão artística.
Mas há outra forma de beleza nas fotos: a beleza da aventura do fotógrafo desbravador. Seria impossível apropriar-se dessas belezas sem sentimento artístico, sem conhecimento técnico, mas também seria impossível sem o esforço sobre-humano de Sebastião e Lélia ao longo de uma década de sonho, projeto, organização e realização. Este é um livro de aventuras. O observador que mergulha em cada foto imaginando-se no lugar do fotógrafo, naquele ambiente estranho hostil, inatingível, sente a emoção da aventura de estar no lugar. Cada foto é o resultado de uma aventura.
Seria bom que as escolas do mundo dedicassem um dia por ano a mostrar as imagens do “Gênesis”. As fotos não apenas fariam vibrar as pequenas almas das crianças, fariam também vibrar o sentimento de irmandade intertemporal dos parceiros da Vida no nosso Planeta e vibrar ainda mais o gosto pela aventura, à crença em sonhos, o reconhecimento dos feitos realizados pela espécie humana, e o compromisso com a beleza que existe em nossa Terra e com a Vida que não devemos deixar ser interrompida.
Por sua beleza, o livro “Gênesis” é uma grande obra, mas é também um dos maiores legados de aventura de um ser humano para mostrar a grande aventura da espécie humana e os riscos dos rumos da evolução natural no Planeta Terra, é uma mistura de Leonardo da Vinci e Marco Polo, ligados por uma ética, de um novo-humanismo: holístico, não segmentado; biocêntrico, não antropocêntrico; inclusivo, não excludente; permanente, não efêmero; transcendental, não apenas material.
*Cristovam Buarque é professor da UnB e Senador pelo PDT/DF.

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