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Um dos principais especialistas em dependência química no Brasil fala ao Infosurhoy.com sobre como combater as drogas no país.
Por Cristine Pires para Infosurhoy.com – 20/07/2012
Por Cristine Pires para Infosurhoy.com – 20/07/2012
“O Brasil precisa enfrentar esta enorme rede de distribuição que, combinada com o preço baixo da cocaína e do crack, fruto do fato de termos vizinhos produtores, alimenta a pandemia [de drogas]”, diz o psiquiatra Ronaldo Laranjeira. (Guilherme Gomes para Infosurhoy.com)
PORTO ALEGRE, Brasil – Para vencer a luta contra as drogas, o Brasil
tem investido bilhões de reais em iniciativas para prevenção e
tratamento aos dependentes químicos no país.
O foco central é o crack, considerado por autoridades e especialistas um grave problema de segurança e de saúde pública.
Entre as medidas adotadas pelo governo brasileiro está o Plano
Nacional de Combate ao Crack, lançado em 2011 e que prevê investimentos
de cerca de R$ 4 bilhões em ações de enfrentamento ao crack até 2014.
A meta é que os recursos sejam aplicados em prevenção, tratamento e repressão ao crime organizado.
Para o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, um dos fundadores da Unidade de
Pesquisa em Álcool e Drogas (UNIAD), é preciso atualizar as políticas
públicas nacionais voltadas ao tratamento e prevenção do uso de crack e
outras drogas.
Em funcionamento desde 1994, a UNIAD é um centro de excelência em
ensino, pesquisa, prevenção e tratamento do uso indevido de álcool,
tabaco e outras drogas.
“O primeiro passo é criar uma gestão diplomática entre os países
vizinhos para reduzir a produção de drogas”, afirma Laranjeira, que
também é professor titular do Departamento de Psiquiatria da Unifesp,
diretor do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas
Públicas do Álcool e outras Drogas (INPAD) do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Considerado um dos principais especialistas em dependência química do
Brasil, Laranjeira falou com exclusividade ao Inforsuhoy.com sobre a
importância de envolver todo o país na luta contra a pandemia de crack.
Infosurhoy: Qual a sua avaliação sobre o Plano Nacional de Combate ao Crack?
Laranjeira: Na verdade, o Brasil ainda não se deu conta da gravidade
da situação. Tanto que não temos uma gestão diplomática no sentido de
diminuir a produção de drogas nos países vizinhos. O Brasil faz
fronteira com os maiores produtores de cocaína: Bolívia, Peru e
Colômbia. Cerca de 80% da cocaína consumida no país vem da Bolívia, onde
a produção continua crescendo. Reduzir a produção nesses países é
fundamental..
Infosurhoy: O caminho de entrada da droga no país é praticamente o
mesmo ao longo da última década. Por que então o problema se agravou?
Laranjeira: Nos últimos 10 anos, o Brasil registrou um aumento
estrondoso no número de pontos de vendas de drogas. Há uma década, o
fenômeno estava restrito às grandes cidades. Hoje, verificamos isso de
norte a sul, leste a oeste. Todos os municípios brasileiros estão
infestados com pontos de tráfico. O Brasil precisa enfrentar esta enorme
rede de distribuição que, combinada com o preço baixo da cocaína e do
crack, fruto do fato de termos vizinhos produtores, alimenta a pandemia
que temos. Se não fizermos uma política rigorosa de conter importação e a
rede distribuição, os problemas vão continuar.
Infosurhoy: Mas o sistema de tratamento é eficaz?
Laranjeira: Não adianta ter apenas um sistema de tratamento para
diminuir o consumo de crack. Não podemos contar com um monte de boas
intenções genéricas. Desde que o governo federal anunciou o plano, em
2010, até agora, pouca coisa mudou. Muitos estados ainda não receberam
as verbas prometidas. É preciso levar em conta o aspecto macro do
problema: produção, distribuição e baixo preço.
Infosurhoy: Qual sua sugestão então?
Laranjeira : O Brasil tem que definir estratégias para lidar com
esses problemas. Os consultórios de rua também não apresentaram
eficácia. Quantas pessoas foram tiradas da rua por essa sistemática? Não
se tem um número nem mesmo uma avaliação da efetividade dos
consultórios de rua. Outro ponto que precisa ser revisto é o fato de o
governo defender que as internações dos dependentes químicos sejam
feitas em hospitais gerais. Acho isso um absurdo. A maioria dos
hospitais não vai querer receber um usuário de crack, e leitos isolados
também não vão adiantar. Precisamos ter hospitais especializados.
Infosurhoy: E como trabalhar na prevenção?
Laranjeira: O Brasil teria que criar uma rede de prevenção mais
efetiva, com um programa que ainda não temos, voltado principalmente aos
grupos de risco. E, quanto a grupos de risco, me refiro a adolescentes
que abandonam escola, vão mal nos estudos ou começaram a experimentar
drogas. A maioria dos usuários de drogas, cerca de 90%, começa a
experimentar na adolescência.
Infosurhoy: A estratégia da redução de danos é uma alternativa?
Laranjeira: A redução de danos consiste em oferecer uma outra droga,
teoricamente menos prejudicial, com o objetivo de evitar a abstinência.
Alguns países que adotaram esse sistema abandonaram a metodologia nos
últimos dois anos. Na Inglaterra, por exemplo, eles descobriram que a
eficácia da redução de danos foi de apenas 4%. Quando eles viram que
investiram milhões e tinha dado um retorno tão baixo para sociedade,
abandonaram o conceito e agora a abstinência é o foco do tratamento.
Então, no caso do crack, sou desfavorável à proposta do Ministério da
Saúde de fazer tratamento baseado em redução de danos como única
alternativa.
Infosurhoy: Qual a alternativa então?
Laranjeira: Nas casas assistidas, programa em São Paulo, os
dependentes químicos não podem usar drogas. Além da moradia, eles têm
direito a todo o tratamento, mas para ter direito a tudo isso é preciso
que fiquem abstinentes. Se em uma casa dessas há 10 usuários e um deles
usa a droga, é mais provável que aquele que recaiu leve os outros 9 com
ele. Isso mostra o drama que é o uso do crack.
Infosurhoy: Mas então é possível recuperar usuários?
Laranjeira : Certamente. O Ministério da Saúde precisa oferecer uma
estrutura de tratamento via clínicas de internação. O Sistema Único de
Saúde (SUS) não tem esse nível assistencial. Por enquanto, só quem tem
dinheiro procura uma clínica de qualidade. O Ministério da Saúde precisa
ter a visão do que realmente funciona no sistema de tratamento e
abandonar técnicas ultrapassadas. Além da falta de experiência
conceitual, a burocracia impede o dinheiro do programa de chegar aos
locais que necessitam dessas verbas.
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