Essa matéria é tão interessante que vale a pena ser publicada novamente
Publicado por Régia Valléria Franca Rodrigues em 13 fevereiro 2012 no O MP e os Objetivos do Milênio
Como o desenvolvimento emocional do sujeito contribui para sua autonomia e obtenção de conhecimento? Em sua palestra de ontem no palco principal da Campus Party, o pesquisador e professor de tecnologia educacional, Sugata Mitra, deu uma aula sobre as competências do saber, a importância do reconhecimento emocional na aprendizagem, e as aplicações possíveis e ainda pouco testadas da informática no ambiente escolar.
A primeira descoberta de sua pesquisa surgiu ao observar, ainda em 1999, como crianças, estudantes do ensino público, de uma comunidade pobre de Nova Délhi – Mitra é indiano – se comportavam mediante um computador instalado sugestivamente num buraco de uma parede, com acesso livre.
A partir das demandas geradas pelo acesso à máquina, o pesquisador pôde verificar, entre idas e vindas, como ocorria, ao longo do tempo, a capacidade de autogestão do conhecimento, no qual as crianças não só aprendiam, mas também ensinavam umas às outras.“Quando uma criança aprende, ela ensina a mais nova. E juntas, elas aprendem mais coisas”, diz Mitra.
Após a primeira iniciativa, Mitra começou a sistematizar seus estudos, replicando o experimento em diferentes favelas locais, entre 2001 e 2004. Como apoio teórico, passou a rever os ganhos e os limites da forma clássica de sala de aula, um tributo da antiguidade, em que os alunos pouco interagem entre si, enquanto o professor fala em frente à turma.
Entre 2006 e 2010, Sugata chegou a uma nova síntese de sua pesquisa ao convidar avós com tempo livre para participarem desses momentos com os netos – algo que ele designou como “nuvem de avós”. Enquanto os netos usavam as máquinas para pesquisar sobre algum desafio dado para ser completado, elas permaneciam por trás deles – uma mudança do local do educador no arranjo espacial da sala – motivando-os durante o processo, a cada nova etapa concluída.
A taxa dos indicadores da pesquisa que conferiam quão proveitoso estava sendo o processo para a aprendizagem saltou de 30% para 50%. “Se funciona em Nova Délhi, onde as crianças crescem em meio a muitas precariedades, funciona em qualquer lugar”, constatou. De fato, ele obteve taxas semelhantes ao repetir a prática, agora em ambiente escolar, em países tão distintos como China, Uruguai, Chile, Inglaterra e Estados Unidos.
Especificidades
O pesquisador ressaltou, durante sua fala, quais seriam os componentes propícios a esta vivência. As crianças devem estar em grupos de amigos.“Sempre que aplico a prática, peço às crianças que se organizem por si mesmas, normalmente em grupo de quatro. É preciso garantir que não haverá uma guerra de egos entre elas.”
É importante também que tenham até 12 anos de idade. “A partir dos 12 anos, elas começam a se sacanear.” As avós foram substituídas por uma pessoa jovem que tivesse vínculos efetivos com a comunidade – mas o papel era semelhante: estimular e mediar a busca pelo conhecimento. E os professores?
Mitra afirma que existem os resistentes e os entusiastas. “São duas gerações diferentes. A mentalidade precisa mudar de baixo pra cima. Se você fala para um pai que seu filho vai aprender sozinho, ele pergunta: ‘então, por que vou te pagar?’ Precisamos que as empresas de telecomunicações participem também: que deem a banda larga para os professores e assistam a transformação acontecer.”
Os professores têm percebido que, com o computador em sala de aula, o trabalho não está ameaçado, o que muda é o enfoque. “O conhecimento está em toda parte. O google te dá respostas, não te dá perguntas. A arte do professor é fazer questionamentos, e não ser um conduíte de informações. Esse novo papel precisa ser ensinado aos professores”, ressalta. A primeira pergunta vinda da plateia é se a máquina substituirá o professor. Mitra foi enfático: “Se um professor pode ser substituído por uma máquina, é porque ele deve ser substituído”.
Meninas
Sugata Mitra também ressaltou a importância da participação política da mulher na sociedade, ao defender que as mudanças sociais positivas acontecem sobretudo a partir da educação da população feminina. “Quando você muda uma menina abaixo dos doze anos de idade, você muda uma geração inteira, porque uma garota não vai deixar que seus filhos tenham menos educação do que ela.”
Sugata Mitra é docente da Universidade de Newcastle, na Inglaterra, e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos.
O repórter Flávio Aquistapace acompanha o evento em São Paulo (SP), entre 6 e 12 de fevereiro.
Fonte: Portal Aprendiz
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