(*) Isaac Albagli
Eu não diria que o vereador Alzimário Belmonte, amigo Gurita, tenha sido infeliz na sua proposta de instituir nas escolas públicas do município a obrigatoriedade de rezar o Pai Nosso antes das aulas. Gurita apresentou uma proposta que vai ao encontro de suas convicções religiosas, e até aí nada de errado. É possível que o vereador tenha pensado dessa forma: “vou jogar o barro na parede. Se colar, colou.” Certamente não esperava que, por unanimidade, os seus colegas edis votassem a favor do projeto de lei. Gurita é evangélico, e pelo que se tem conhecimento eles oram o Pai Nosso de forma um pouco diferente do catolicismo. Sabe-se que as diversas correntes da religião evangélica, por sua vez, têm diferentes formas de oração do Pai Nosso. Somente esse ponto já seria polêmico. Mesmo na hipótese absurda da cidade ter 100% de sua população praticante do catolicismo ou de adeptos da religião evangélica (os cristãos), a dúvida persistiria, pois não se saberia qual Pai Nosso a ser rezado.
O Projeto de Lei foi aprovado por unanimidade, e aí faço a crítica aos vereadores, especialmente aqueles integrantes da Comissão de Legislação, Justiça e Redação Final, que têm a obrigação de verificar a constitucionalidade das propostas legislativas. Passaram por cima, como se dissessem: “não vou ser contra para não me queimar”. Erraram feio, assim como os demais vereadores. Pior foi a atitude do prefeito, que sancionou uma lei flagrantemente inconstitucional como se não tivesse uma procuradoria jurídica a assessorá-lo. Tenho curiosidade de conhecer o texto do parecer da Procuradoria Jurídica acerca do assunto. Fico a pensar como um bacharel em direito assina um parecer desse quilate, e que argumentos foram utilizados para não aconselhar ao prefeito o veto ao Projeto de Lei.
A Constituição de 1824 estabelecia que a “Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas…”.  A atual Constituição, no entanto, não repete o dispositivo, nem institui religião alguma como sendo a oficial do Estado. E mais, estabeleceu em seu artigo 19, inciso I que “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.” Esse artigo constitucional define o Estado brasileiro como Laico, que segundo o dicionário Aurélio quer dizer “leigo”. A Constituição da República apesar do disposto em seu artigo 19, inciso I, protege a liberdade de crença, o livre exercício dos cultos religiosos e o faz da seguinte forma: “Art. 5. VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;” Em resumo, a nossa Carta Magna proíbe o Poder Público de se intrometer em assuntos religiosos e ao mesmo tempo protege a liberdade de expressão de crença.    
Já imaginou se algum vereador resolve apresentar um projeto de lei instituindo a leitura da Torá do judaísmo, outro a leitura do Corão do islamismo, ou até algum ritual do candomblé ou incorporação de espíritos da Umbanda antes das aulas? Improvável e absurda as comparações, mas “legalmente” viáveis sob o ponto de vista da Procuradoria Jurídica do município. Newton Lima é católico praticante, mas não perderia ponto algum com os fiéis da Igreja Católica se vetasse a lei. Ao contrário, aos olhos da população haveria a sensação de que o prefeito, mesmo católico fervoroso, colocou a Constituição Federal em primeiro plano, como deve ser.
(*) Isaac Albagli é católico por parte de pai, judeu por parte de mãe, crê em Deus e se comunica com Ele sem intermediários.