sábado, 1 de outubro de 2011

Corrupção: uma ameaça para a democracia (por Clodoaldo Silva da Anunciação)

Sobre corrupção lemos, ouvimos e vivenciamos diariamente seus malefícios. Embora pareça que o tema se esgota nas reportagens e denúncias, criando estereótipos de pessoas e de países corrompidos, pouco se  ouve falar ou discutir sobre os corruptores e seus artifícios para perpetuar essa prática nociva na sociedade mundial .

O tema foi objeto da conferência Une Europe incorruptible? L´Union Europeenne face à la corruption[i] que teve lugar na Maison de l´Europe de Paris no último dia 29 de setembro de 2011.

A discussão ganha especial importância para o Brasil na medida que seremos sede  de grandes eventos internacionais (Copa do Mundo de 2014 e Jogos Olímpicos de 2016) que requerem grandes investimentos em infraestrutura  relacionados à construção civil, mobilidade urbana, hotelaria, capacitação, etc, para os quais o know-how em muitos casos é detido por grandes empresas de países estrangeiros.  Estamos também em processo de aquisição de armamentos e aviões de combate cujos contratos alcançarão cifras elevadas.

Iniciando o ciclo de conferências o Prof. Pierre VERLUISE enfocou os dados da Transparência Internacional de 2009,  no tocante ao nível de percepção da corrupção em vários países do mundo, com especial atenção para os chamados emergentes e os países europeus.  A escala de análise variava de 0 a 10 sendo que, quando mais próximo de zero, mais corrompido era o posto do país em análise. Em contrapartida, quanto mais próximo de 10, menos corrompido era o país sub oculis. A média pondera considerada satisfatória era de 6,4.

VERLUISE ressaltou que a Europa vive uma situação curiosa e preocupante com a convergência dos índices se comparados o grupo de países fundadores da União Européia (UE-15)  com o conjunto  os países dos debutantes no bloco. Assim, enquanto o nível de percepção da corrupção dos países do EU-15 se degrada, os índices dos novos membros da União Européia  melhoram. Entretanto, a convergência coloca todos num patamar muito justo em relação ao nível satisfatório.  Nesse particular, mereceu destaque os níveis elevados de erradicação da corrupção dos países nórdicos que alcançaram médias próximas de 10.

Prosseguindo, destacou que o Brasil alcançou 3,7 - a metade do nível considerado satisfatório para a questão - e tinha na sua companhia países ditos emergentes, a exemplo da China, Rússia, etc. Esse dado ganha especial relevância, como já dito algures pela iminência da realização de ao menos dois grandes eventos esportivos internacionais (Copa do Mundo de 2014 e Jogos Olímpicos de 2016) e quando falamos de flexibilização da lei de licitações.

A propósito dessa linha de raciocínio, a palestrante Sandrine HANNEDOUCHE-LERIC, integrante de grupo da OCDE[ii],  enfatizou que  a corrupção oriunda de países desenvolvidos, notadamente da Europa, voltada  para garantir a abertura de grandes mercados consumidores, bem assim para permitir a  realização de grandes contratos de infraestrutura, é praticada por grandes grupos empresariais, mediante um esquema que pode ser assim simplificado:  Um grupo empresarial situado na Europa, através de uma joint venture com sede em outro país da Europa, contratada um consultor /escritório em um terceiro país do velho mundo que se encarrega de corromper altos dirigentes  estratégicos de países alvo, mediante a utilização de recursos que passam por paraísos fiscais, de modo a dissimular toda a operação fraudulenta permitindo obter os contratos de grande monta ou mercados de grande potencial, pelo não cumprimento de regras legais ou pela obtenção de dados privilegiados, aniquilação da concorrência local,   dentre outros. Falamos assim dos pots de vin.[iii]  
Nesse diapasão, destacou-se que até bem pouco tempo atrás, o Código Tributário/Fiscal francês permitia deduzir dos impostos a serem pagos pelas empresas, comissões duvidosas pagas a dirigentes de países estrangeiros, em meio a tratativas contratuais. As partes eram obrigadas a indicar os beneficiários. Esse dispositivo foi suprimido, porém, segundo a análise provocativa do prof. Jean-Louis TERRIER, a retirada do dispositivo, a contrario sensu, criou um clima de hipocrisia, pois agora as empresas, cercadas de assessores de diversas áreas, trataram de nettoyer[iv] os contratos, por meio de artifícios jurídicos e passaram a utilizar-se o expediente do pacto de confidencialidade (rectius: de silencia)  que impede detalhar as tratativas e valores dos negociações.

Continuando na sua fala pragmática e realista, destacou que o combate moral à corrupção não surtirá qualquer efeito, dentro de um ambiente social mundial corrompido, no qual as instituições públicas, políticas, administrativas e judiciárias[v] são incapazes de fazer a assepsia completa dos seus quadros e de suas práticas a níveis aceitáveis, comprometendo a prevenção e o combate a esse mal do século.

O professor François VINCKE arrematou que a corrupção está em toda parte, em todos os níveis, em todos os países, em maior ou menor grau e intensidade, de maneira que não podemos rotular um grupo de pessoas, um segmento social, um país, criando o estigma de corrompidos. Precisamos estar atentos sobre  aos corruptores, travestidos de empresas,  governos,   homens ou  mulheres bem-sucedidos e inteligentes, mas que se encarregam de sugar os recursos essenciais para a saúde, educação e desenvolvimento  de países pobres ou em desenvolvimento.  

Devemos unir forças para combater o “espírito da corrupção” quer presente por toda parte, através da educação às novas gerações e da punição aos infratores. E esse combate à corrupção de grande monta só virá com trabalho inteligente, continuo, transparente e baseado na cooperação internacional dos órgãos de controle, arrimados na Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.

Para o Brasil que transforma eventos esportivos em sonhos de uma coletividade para o desenvolvimento, fica o alerta de que procedimentos de flexibilização da lei de licitações enfraquecem os órgãos de controle, abrindo espaço para a ação dos corruptores internacionais e corrompidos locais, comprometendo nossas riquezas e desenvolvimento do país.

Assim, combater a corrupção no Brasil é assegurar o atendimento  aos  direitos  fundamentais, notadamente  educação e saúde,  na esteira da  doutrina  da justiça distributiva proposta por Rawls[vi], sendo em última instância,  garantia para  a nossa democracia constitucional. 


i] Uma Europa incorruptível? A União Européia face à corrupção
[ii] Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
[iii] Pots de vin: expressão francesa coloquial para denominar dinheiro de corrupção, comissões ilegais, etc.
[iv] Nettoyer. Verbo francês que significa  limpar. No contexto, seria camuflar as cláusulas suspeitas.
[v] No sentido mencionado que inclui todos os órgãos e instituições ligadas à administração da Justiça, inclusive o Ministério Público, Corregedorias Setoriais, Procuradorias de órgãos, Defensoria, Advogados, etc
[vi] Vide: RAWLS, John.  Uma Teoria da Justiça, São Paulo. Martins Editora

1 Clodoaldo Silva da Anunciação. Doutorando em Direito pela Université Paris 1-Panthéon Sorbonne. Mestre em Direito pela UFBA, Professor.Assistente da disciplina Direito Internacional UESC e Promotor de Justiça da Cidadania em Itabuna(BA). 

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