terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Cristovam Buarque: “O Judiciário legisla melhor”

Leandro Mazzini , Jornal do Brasil

BRASÍLIA - Um dos poucos “fichas-limpas” – digamos pelo bordão que ganhou a boa política – do Senado, entre os 81 senadores, Cristovam Buarque (PDT) diz que, mesmo desapontado e cético, vai tentar a reeleição este ano. Ex-governador do Distrito Federal (palco de sucessivos escândalos), se diz mais útil hoje como parlamentar do que como governador. Não acredita que o Senado – também alvo de muitas denúncias de dois anos para cá – será renovado nas eleições deste ano. “Temo que talvez venha ainda pior”, revela, nesta entrevista ao Jornal do Brasil, na qual ele, conhecedor do cotidiano do Congresso, sentencia: “O Judiciário está legislando melhor. Para o salvar da penúria política, o Judiciário entrou no Senado”.

Teremos este ano eleições majoritárias e proporcionais. No que concerne ao Senado, onde dois terços das vagas são disputados, acredita que haverá renovação?

Sou cético a um Senado completamente diferente do atual. E temo que talvez ele venha ainda pior. Porque as pessoas que estiveram aqui mais envolvidas em problemas que descontentaram a opinião pública nacional têm um grupo de eleitores com uma fidelidade quase eterna. A fidelidade desses que não estão ligando para os problemas morais, as denúncias éticas que aqui ocorrem. Eles estão ligando mais para os benefícios que recebem, para a relação pessoal que eles têm. Então esses não estarão ameaçados. Eu temo que terminem perdendo eleição aqueles que não tiveram problemas, porque são senadores que recebem votos dos meios de formação, das pessoas mais esclarecidas, que hoje estão indignadas com o Senado e não apenas com o senador A, B ou C.

Por que o Senado chegou a essa situação?

Primeiro, por que a política chegou a esta situação? Não o Senado. Até pouco tempo atrás era a Câmara dos Deputados. Antes eram alguns governadores, no Distrito Federal voltou a ser um governador. Fala-se muito também do Poder Judiciário. A Presidência da República esteve envolvida em mensalões. Então a pergunta não é tanto o Senado, o Senado é um dos órgãos. É a política. Por que ela chegou a isso?

Então quais os motivos?

Eu, como cético, coloco que por trás de tudo isso está o fato de que o Brasil é um país absolutamente deseducado. Além disso, é um país absolutamente inibido socialmente. A falta de educação não faz o eleitor votar pior do que o educado. E ao não ter educação, ele sente-se atraído por aquele que lhe der uma camisa, por aquele que lhe der uns óculos. É natural isso, não tem que criticar os deseducados. Por falta de alternativas eles votam pensando apenas no imediato, apenas no bem-estar. Por isso a educação é tão importante. A educação cria alternativas, a pessoa fica amenos dependente de auxílio – “vender” seu voto. A outra coisa é a divisão social. O Brasil é um país dividido e o Estado brasileiro, ao longo da nossa história, é um Estado que prioriza os investimentos para beneficiar as camadas mais faturáveis. Quando um homem que não tem água nem esgoto na sua casa passa em frente a um edifício de luxo do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, ele vê o governo construindo aquele prédio de luxo e não botando água e esgoto nem escola no seu bairro. Você acha que ele está preocupado se alguém rouba dinheiro que ia para aquele prédio de luxo? Nada. Ele está preocupado é que em vez do dinheiro ir para a sua escola, para a água e saneamento, está indo para o prédio de luxo.

Ainda sobre o Senado, o senhor acha que o presidente Lula interferiu?

Claro, não tenho dúvidas. Tanto que eu pedi um voto de censura ao presidente da República. O Senado é um ministério do governo Lula. O presidente José Sarney (PMDB) foi nomeado pelo Lula. Se não fosse o apoio do presidente, dificilmente ele teria continuado. Foi o PT quem impediu que se analisasse as denúncias. O pedido de investigações foi arquivado pela Comissão de Ética com os votos do PT, que vieram por determinação do presidente. Agora, não é só isso, é que o Judiciário também intervém aqui.

O Judiciário está legislando?

Está, claro. Falando francamente, legisla às vezes até melhor do que o Congresso, do ponto de vista do que ele faz. Em alguns momentos, toma decisões que nós não tomamos. Mas, de qualquer maneira, é uma interferência, chega ao ponto até de a gente dizer: “Felizmente tem essa interferência”. Por exemplo, eu coloquei aqui no meu Twitter avisando que sou a favor dos americanos estarem no Haiti. É triste eu dizer isso. Mas para salvar da penúria social, os americanos entraram no Haiti. Para o salvar da penúria política, o Judiciário entrou no Senado. É triste, mas algumas dessas intervenções, que eu não gostaria que acontecessem, foram, no bom sentido, de como fazer a política. O Congresso, hoje, é um poder irrisório diante do Executivo e do Judiciário. Por força do Executivo e por omissão do Congresso.

Um dos problemas do Congresso seria a presença de muitos suplentes no poder, muitos deles meros financiadores de campanha?

Não acho que esse seja um problema. Se a gente for olhar bem, não vou citar nomes, há suplentes melhores do que senadores. Eu até acho que se acabar a instituição do suplente como nos Estados Unidos, por exemplo, pode ser positivo.

Mas o senhor acredita mesmo assim que o Congresso talvez se renove para pior?

Eu disse que acho que não vai se renovar. Temo que possa se renovar para pior, do ponto de vista dos compromissos sociais, dos compromissos éticos, da política com causa e não da política em benefício próprio.

O senhor disse que o cidadão vota pensando no seu bem estar e diante de situações imediatas e supérfluas. Há quem aponte uma linha tênue separando a política de assistência social da política eleitoreira. O Bolsa Família é criticado por isso pela oposição. Concorda?

Eleitoreira é uma palavra que leva a uma conotação depreciativa. E eu creio que a generosidade com as massas não deve ser vista de forma depreciativa. Prefiro mil vezes o Bolsa Família do que a construção de palácios governamentais.

É uma distribuição de renda que pode dar votos.

Mas tudo o que o governo faz de bom ajuda a ganhar eleição. Isso faz parte. Seria eleitoreiro se o governo estivesse escolhendo os beneficiários entre os seus eleitores. Agora, se quem for escolhido por critérios e depois viram eleitor, eu não chamo isso de eleitoreiro. Chamo isso de ter um benefício eleitoral. O Bolsa Família faz com que as pessoas não passem fome, isso é importante, mas não transforma, não é revolucionário. Seria revolucionário se ele continuasse como era o Bolsa Escola, quando eu criei. A gente não vê esse lado da escola.

Mas o governo fiscaliza, porque criança tem que estar na escola...

Primeiro, não fiscaliza. Segundo, se fiscalizasse não resolvia, porque não estão na escola porque não são escolas. Mesmo que a gente tenha 100% das crianças nela, elas não estão indo à escola, elas estão indo ao prédio, que tem escrito “escola” no nome, que tem uma pessoa contratada como professor. Mas mesmo que ela frequente, é preciso que ela assista. E ela não assiste. Grande parte das crianças brasileiras vão para casa depois da hora da merenda, vão só para comer. A escola virou restaurante mirim.

Nesse esforço pela educação o senhor propôs uma lei que obriga o governo a distribuir livros nas cestas básicas.

É um projeto que ainda não foi aprovado, está avançado.

O senhor acredita que ele vai virar lei e vai ser sancionado?

Acredito, porque o governo que está aí já colocou o Vale Cultura, que é importante. Como é que um governo que cria o Vale Cultura vai ser contra colocar livros nas cestas básicas?

O senhor, que é senador por Brasília e já foi governador do DF, acredita que haverá punição para os recentes escândalos? O caso Arruda será um divisor de águas?

Não dá para saber se vai ser um divisor de águas, até porque esse não é o primeiro escândalo no Brasil. Estão concentrando muito a coisa em Brasília.

Brasília virou o bode expiatório?

Virou, mas se você olhar, não é só Brasília. Já teve Acre, Rondônia, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, e lá não foi divisor de águas ... O papel do político é construir um mundo onde não haja corrupção através de leis. E eu coloquei muitas leis para isso. Por exemplo: todo político automaticamente cair na malha fina. É um projeto meu. Acabar a reeleição. Acho que esse negócio de você se perpetuar termina criando um vício. E nós, políticos, temos que cuidar para que isso não possa se repetir.

Mas como a Câmara Legislativa vai cuidar disso, se metade dela está envolvida?

Então a Justiça cuida.

O senhor é candidato ao governo do DF?

Eu não devo ser candidato por diversas razões. Primeiro, eu já fui governador, a gente tem que dar uma renovada. Eu falo de gente que não esteve ainda no governo, dar uma renovada para valer, virar a página que é (Joaquim) Roriz, Cristovam, depois (José Roberto) Arruda e depois Roriz ou Cristovam de novo.

E quem seria o candidato do PDT, e em qual coligação?

O meu hoje é o Reguffe. Mas se o PDT chegar à conclusão que deve se aliar ao PT, eu não terei nenhum constrangimento em apoiar o Agnello Queiroz. Se houver aliança com o Rodrigo Rollemberg (PSB), não tenho nenhum constrangimento.

(Colaborou João Batista Araújo)

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