quarta-feira, 19 de junho de 2013

A COMUNIDADE ESCOLAR E AS PRÁTICAS INCLUSIVAS


A COMUNIDADE ESCOLAR E AS PRÁTICAS INCLUSIVAS

Marina da Silveira Rodrigues Almeida
Consultora em Educação Inclusiva
Psicóloga e Pedagoga especialista
Instituto Inclusão Brasil
contato@institutoinclusaobrasil.com.br

Toda a comunidade escolar pode exercer uma influência positiva muito relevante sobre o desempenho integral dos alunos, segundo a filosofia da educação inclusiva. Inversamente, qualquer pessoa da comunidade escolar poderia influir negativamente, ou seja, deixaria de ser útil na formação geral dos educandos. Como se explica isso?

Explicações históricas


Vamos, de modo simplista, dividir a história da educação em quatro épocas, no que se refere aos alunos com deficiência.

Exclusão (antes do século 16)
Nesta época, nenhuma atenção educacional foi oferecida às pessoas com deficiência, que também não recebiam outros serviços. A sociedade simplesmente ignorava, rejeitava, perseguia e explorava estas pessoas, então consideradas ‘possuídas por maus espíritos ou vítimas da sina diabólica e feitiçaria’ (Jönsson, 1994, p.61)

Segregação (séculos 17 a início do século 20)
Excluídas da sociedade e da família, pessoas com deficiência eram geralmente atendidas em instituições por motivos religiosos ou filantrópicos e tinham pouco ou nenhum controle sobre a qualidade da atenção recebida.

Integração (décadas de 40 a 80)
Segundo Jönsson (1994, p.61), foi neste contexto que emergiu, em muitos países em desenvolvimento, a ‘educação especial’ para crianças com deficiência, administrada por instituições voluntárias, em sua maioria religiosas, com consentimento governamental, mas sem nenhum outro tipo de envolvimento por parte do governo. Algumas dessas crianças passaram a vida inteira dentro das instituições.
Surgiram, também, escolas especiais, assim como centros de reabilitação e oficinas protegidas de trabalho, pois a sociedade começou a admitir que pessoas com deficiência poderiam ser produtivas se recebessem escolarização e treinamento profissional.
Esta época viu surgirem as classes especiais dentro de escolas comuns, o que aconteceu não por motivos humanitários e sim para garantir que as crianças com deficiência ‘não interferissem no ensino’ ou ‘não absorvessem as energias do professor’ a tal ponto que o impedissem de ‘instruir adequadamente o número de alunos geralmente matriculados numa classe’ (Chambers & Harman, in Jönsson, 1994, p.62).
Os testes de inteligência, criados em 1905, desempenharam um papel relevante, no sentido de identificar e selecionar apenas as crianças com potencial acadêmico. ‘Este elitismo, que ainda é defendido com freqüência, serve para justificar a instituição educacional na rejeição de mais de um terço ou até a metade do número de crianças a ela encaminhadas. Tal desperdício não seria tolerado em nenhum outro campo de atividade.’ (Unesco, in Jönsson, 1994, p.62)

Inclusão (última década do século 20 e início do século 21)
Inspirada no lema do Ano Internacional das Pessoas Deficientes (“Participação Plena e Igualdade”), tão disseminada em 19o81, uma pequena parte da sociedade em muitos países começou a tomar algum conhecimento da necessidade de mudar o enfoque de seus esforços. Para que as pessoas com deficiência realmente pudessem ter participação plena e igualdade de oportunidades, seria necessário que não se pensasse tanto em adaptar as pessoas à sociedade e sim em adaptar a sociedade às pessoas (Jönsson, 1994, p.63). Isto deu início ao surgimento do conceito de inclusão a partir do final da década de 80.
Países desenvolvidos, como os EUA, o Canadá, assim como a Espanha e a Itália, foram os pioneiros na implantação de classes inclusivas e de escolas inclusivas.
Segundo Mantoan (1997), a inclusão “questiona não somente as políticas e a organização da educação especial e regular, mas também o conceito de mainstreaming. A noção de inclusão institui a inserção de uma forma mais radical, completa e sistemática.
O vocábulo integração é abandonado, uma vez que o objetivo é incluir um aluno ou um grupo de alunos que já foram anteriormente excluídos; a meta primordial da inclusão é a se não deixar ninguém no exterior do ensino regular, desde o começo. As escolas inclusivas propõem um modo de se constituir o sistema educacional que considera as necessidades de todos os alunos e que é estruturado em virtude dessas necessidades. A inclusão causa uma mudança de perspectiva educacional, pois não se limita a ajudar somente os alunos que apresentam dificuldades na escola, mas apóia a todos: professores, alunos, pessoal administrativo, para que obtenham sucesso na corrente educativa geral.” (p.145)

Explicações conceituais


Nos últimos 20 anos, o mundo conheceu conceitos que mudaram radicalmente a maneira como as pessoas com deficiência devem ser vistas, tratadas e inseridas nos sistemas sociais gerais. Os principais conceitos são os seguintes:

Autodefesa. Ato pelo qual uma pessoa defende por si mesma os seus direitos e interesses políticos.
Autonomia. Condição de domínio no ambiente físico e social, preservando ao máximo a privacidade e a dignidade da pessoa que a exerce. Daí os conceitos de ‘autonomia física’ e ‘autonomia social’.
Cooperação e colaboração. Promovem a ajuda mútua, o respeito mútuo, a aceitação das limitações e das capacidades de cada pessoa, construindo assim cidadãos tolerantes, não-preconceituosos, abertos e acolhedores.
Diferenças individuais. Decorrem de idade, combinação única de inteligências múltiplas com estilos de aprendizagem, temperamento, aptidões e habilidades, interesses, compleição física, aspirações e sonhos, experiência de vida etc.
Diversidade humana. Fato numa sociedade plural, ela é composta por todos os segmentos demográficos representados por gênero, orientação sexual, etnias, raças, nacionalidades, naturalidades, regiões socioeconômicas, histórico infracional, histórico penitenciário, deficiências (física, intelectual, visual, auditiva, múltipla, orgânica, psiquiátrica) etc.
Empoderamento. Processo pelo qual uma pessoa, ou um grupo de pessoas, usa o seu poder pessoal inerente à sua condição – por exemplo: deficiência, gênero, idade, cor – para fazer escolhas, tomar decisões e assumir o controle de sua vida.
Equiparação de oportunidades. Processo mediante o qual os sistemas gerais da sociedade, tais como o meio físico, a habitação e o transporte, os serviços sociais e de saúde, as oportunidades de educação e de trabalho e a vida cultural e social, incluídas as instalações esportivas e de recreação, são feitos acessíveis para todos.
Inclusão social. Processo pelo qual a sociedade se adapta para poder inserir, em seus sistemas gerais, pessoas até então excluídas e, simultaneamente, estas se preparam para assumir seus papéis sociais.
Independência. Faculdade de decidir sem depender de outras pessoas (por ex.: membros da família, profissionais em geral).
Modelo social da deficiência. A sociedade é chamada a ver que ela própria cria problemas para as pessoas com deficiência, causando-lhes incapacidade (ou desvantagem) no desempenho de papéis sociais em virtude dos ambientes restritivos, das políticas discriminatórias e das atitudes preconceituosas que rejeitam a minoria e todas as formas de diferenças, dos discutíveis padrões de normalidade, dos objetos e outros bens inacessíveis do ponto de vista físico, dos pré-requisitos atingíveis apenas pela maioria supostamente homogênea, da quase total desinformação sobre necessidades especiais e deficiências e sobre os direitos das pessoas que têm essas necessidades, e das práticas discriminatórias existentes em muitos setores da atividade humana.
Necessidades especiais.  Este termo não é sinônimo de palavra ‘deficiência’ e nem a substitui. As necessidades especiais podem resultar de três situações principais: [1] Dificuldades de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento humano, vinculadas a causas orgânicas (deficiências, síndromes, disfunções) ou vinculadas a causas sociais (trabalho infantil, prostituição infantil, situação de rua, diversidade regional, pobreza/miséria etc.), [2] Dificuldades de comunicação e sinalização (oral, escrita, visual, auditiva, gestual etc.) e [3] Altas habilidades (superdotação) e grande facilidade de aprendizagem (Resolução CNE/CEB nº 2, 11/9/01).
Rejeição zero. Conceito que se refere a não rejeitar (excluir) uma pessoa, para qualquer finalidade, com base no fato de que ela possui uma deficiência ou por causa do grau de gravidade dessa deficiência, sendo que as instituições precisam ser capazes de criar programas e serviços internamente e/ou de buscá-los em entidades comuns existentes na comunidade a fim de melhor atenderem as pessoas com deficiência.

Explicações tecnológicas


O paradigma da inclusão trouxe no seu bojo imensos espaços que possibilitaram o desenvolvimento de um conjunto de tecnologias a serem utilizadas na aplicação de medidas de acessibilidade. Estas medidas de acessibilidade, por sua vez, contribuem decisivamente para o desempenho dos alunos, com ou sem deficiência, no processo de ensino e aprendizagem.
Na década de 90, começou a ficar cada vez mais claro que a acessibilidade deverá seguir o paradigma do desenho (design) universal, segundo o qual os ambientes, os meios de transporte e os utensílios devem ser projetados para todos (portanto, não apenas para pessoas com deficiência). E, com o advento do paradigma da inclusão e do conceito de que a diversidade humana deve ser acolhida e valorizada em todos os setores sociais comuns, hoje entendemos que a acessibilidade não mais se restringe à dimensão arquitetônica, pois existem barreiras de vários tipos também em outros contextos que não o do ambiente arquitetônico.
Assim, existem seis dimensões de acessibilidade e elas deverão ser promovidas em todos os ambientes externos e internos. Suas respectivas características, hoje obrigatórias por lei (por ex.: Decreto federal nº 5.296, 2/12/04; Resolução CNE/CEB nº 2, 11/9/01; Lei federal nº 10.098, 19/12/00) e/ou em conseqüência do paradigma da inclusão, são as seguintes:

Acessibilidade arquitetônica: Sem barreiras nos ambientes físicos (escolas, empresas, residências, edifícios públicos, centros de convenção, espaços urbanos, equipamentos urbanos, meios de transporte individual ou coletivo etc.).
Acessibilidade comunicacional: Sem barreiras na comunicação interpessoal (face-a-face, língua de sinais, linguagem corporal, linguagem gestual etc.), na comunicação escrita (jornal, revista, livro, carta, apostila etc., incluindo textos em braile, textos com letras ampliadas para quem tem baixa visão, lupa e outras centenas de tecnologias assistivas para se comunicar) e na comunicação virtual (acessibilidade digital).
Acessibilidade metodológica: Sem barreiras nos métodos e técnicas de estudo (adequações curriculares, aulas baseadas nas inteligências múltiplas, uso de todos os estilos de aprendizagem, novos conceitos de educação, aprendizagem, avaliação do rendimento escolar, recursos didáticos etc., de trabalho (métodos e técnicas de treinamento e desenvolvimento de recursos humanos, ergonomia, novo conceito de administração empresarial, empoderamento etc.), de ação comunitária (metodologias social, cultural, artística etc., baseadas em participação ativa e protagonismo), de educação de filhos (novos métodos e técnicas nas relações familiares etc.) e de outras áreas de atividade humana.
Acessibilidade instrumental: Sem barreiras nos instrumentos e utensílios de estudo (lápis, caneta, transferidor, régua, teclado de computador, materiais pedagógicos etc.), de trabalho (ferramentas, máquinas, equipamentos etc.), de atividades da vida diária (tecnologia assistiva para comunicar, fazer a higiene pessoal, vestir, comer, andar, tomar banho etc.), de lazer, esporte e recreação (dispositivos que atendam às limitações sensoriais, físicas e intelectuais etc.) e de outras áreas de atividade humana.
Acessibilidade programática: Sem barreiras invisíveis (implícitas) embutidas em ordenamento jurídico (políticas públicas, leis, decretos, portarias, resoluções etc.), em regulamentos (institucionais, escolares, empresariais, comunitários etc. e em normas em geral.
Acessibilidade atitudinal: Sem barreiras sociais ou culturais (preconceitos, estigmas, estereótipos e discriminações), eliminadas por programas e exercícios de sensibilização e de conscientização das pessoas em geral e também através da convivência na diversidade humana.

Podemos, por exemplo, dizer que uma escola (sociedade, empresa etc.) inclusiva é aquela que está implementando gradativamente as medidas de acessibilidade nos seis contextos acima descritos.

Comunidade escolar praticando acessibilidade nos seis contextos


Uma escola em processo de modificação sob o paradigma da inclusão é, então, aquela que adota medidas concretas de acessibilidade. Quais pessoas devem adotar estas medidas? Professores, alunos, familiares, técnicos, funcionários e outros componentes da comunidade escolar. Cada uma destas pessoas tem a responsabilidade de contribuir com a sua parte, por menor que seja, na construção da inclusividade em suas escolas. Exemplos:

Arquitetura. Ajudando a remover barreiras físicas ao redor e dentro da escola, tais como: degraus, buracos e desníveis no chão, pisos escorregadios, portas estreitas, sanitários minúsculos, má iluminação, má ventilação, má localização de móveis e equipamentos etc.
Comunicação. Aprendendo o básico da língua de sinais brasileira (Libras) para se comunicar com alunos surdos; entendendo braile e sorobã para facilitar o aprendizado de alunos cegos; usando letras em tamanho ampliado para facilitar a leitura para alunos com baixa visão; permitindo o uso de computadores de mesa e/ou notebooks para alunos com restrições motoras nas mãos; utilizando desenhos, fotos e figuras para facilitar a comunicação para alunos que tenham estilo visual de aprendizagem etc.
Métodos, técnicas e teorias. Aprendendo e aplicando os 15 estilos de aprendizagem; aprendendo e aplicando a teoria das inteligências múltiplas; utilizando materiais didáticos adequados às necessidades especiais etc. É oportuno enfatizar aqui a teoria das inteligências múltiplas. Todos os integrantes da comunidade escolar devem ser informados e capacitados a respeito desta teoria a fim de que a sua aplicação se torne uma prática comum em toda a escola. Professores e alunos têm, no uso das inteligências múltiplas, o fator sine qua non do sucesso do ensino e da aprendizagem. Em todas as aulas e nas atividades extraclasse, os alunos estarão valendo-se da combinação única de suas oito inteligências para aprender, realizar trabalhos, interagir socialmente etc. Os técnicos, em especial os psicólogos, devem também trabalhar com as inteligências múltiplas para si mesmos e para os alunos e familiares. Os funcionários administrativos da escola se beneficiarão muito com o conhecimento da teoria das inteligências múltiplas e passarão a melhor compreender os comportamentos dos alunos, resultando em um melhor relacionamento interpessoal com os mesmos. Os familiares terão uma participação importante ao ajudar os professores e técnicos a identificarem os níveis de desenvolvimento das inteligências de seus filhos.
Instrumentos. Adaptando a forma como alguns alunos poderão usar o lápis, a caneta, a régua e todos os demais instrumentos de escrita, normalmente utilizados em sala de aula, na biblioteca, na secretaria administrativa, no serviço de reprografia, na lanchonete etc., na quadra de esportes etc.
Programas. Revendo atentamente todos os programas, regulamentos, portarias e normas da escola, a fim de garantir a exclusão de barreiras invisíveis neles contidas que possam impedir ou dificultar a participação plena de todos os alunos, com ou sem deficiência, na vida escolar.
Atitudes. Participando de atividades de sensibilização e conscientização, promovidas dentro e fora da escola a fim de eliminar preconceitos, estigmas e estereótipos, e estimular a convivência com alunos que tenham as mais diversas características atípicas (deficiência, síndrome, etnia, condição social etc.) para que todos aprendam a evitar comportamentos discriminatórios. Um ambiente escolar (e também familiar, comunitário etc.) que não seja preconceituoso melhora a auto-estima dos alunos e isto contribui para que eles realmente aprendam em menos tempo e com mais alegria, mais motivação, mais cooperação, mais amizade e mais felicidade.   

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