Postado no Blog Rapazói
Em tempos de orçamento curto, o município de Glória, na Bahia, é um canteiro de obras com dinheiro federal. O segredo? A prefeita é a mulher do ministro das Cidades
A estrada que liga Aracaju, em Sergipe, ao município de Glória, no norte da Bahia, é uma coleção de buracos. Os 280 quilômetros não são vencidos em menos de quatro horas. A exceção é um trecho de 32 quilômetros, reformado, que passa pela entrada de Glória. Até as placas de acesso a Glória estão tinindo de novas. Glória tem um balneário na beira do Rio São Francisco, que está em reforma. Na “prainha” serão erguidos cinco quiosques, para os quais o Ministério do Turismo destinou quase R$ 1 milhão. Também custarão R$ 1 milhão a ciclovia e a pista de cooper de 4 metros de largura, da entrada da cidade ao balneário. A Praça da Juventude, um projeto do Ministério dos Esportes, com quadras, anfiteatro, salas e pista de skate, está orçada em R$ 1,5 milhão. Nada disso estaria acontecendo, segundo a prefeita Ena Vilma Negromonte (PP), sem a ajuda “de Mário”. Mas que Mário? Mário Negromonte, seu marido e ministro das Cidades.
Como deputado federal até 2010, Negromonte fez emendas ao Orçamento da União para a cidade governada por sua mulher. Neste ano, os ministérios do Turismo e das Cidades, agora tocado por Negromonte, liberaram 100% dos valores acertados nos convênios. As verbas destinadas a Glória passaram incólumes ao corte de R$ 50 bilhões no Orçamento, que tirou R$ 8,5 bilhões do Ministério das Cidades. Poucos municípios tiveram a mesma sorte. Com 15 mil habitantes, Glória tem ruas pequenas e malconservadas, onde há pouca movimentação de comércio. Nas esquinas, há placas de “Pare” novinhas. Só faltam carros para obedecê-las. Metade da população é pobre. “Nada foi feito na área de saúde. Convênios foram cancelados por falta de pagamento”, diz o vereador Alex Almeida (PTN).
A prefeita Ena Vilma é uma dentista aposentada de 60 anos, casada há 34 com Negromonte, mãe de três filhos e avó de uma menina de 9 meses. Ela foi derrotada duas vezes antes de virar prefeita. Eleita, carrega a fama de ficar pouco na cidade, apesar de manter uma casa alugada. “Aquilo é fachada”, diz o ex-prefeito José Policarpo. A casa da família Negromonte fica em Paulo Afonso, um município vizinho e distante 10 quilômetros. Na última quinta-feira, Ena Vilma estava em Glória e recebeu a reportagem de ÉPOCA em seu gabinete.“Se você viesse à tarde, não me encontraria porque eu gosto da zona rural. Ando por aí”, diz. “Ontem, se você viesse, não me encontrava. Peguei uma virose. Estava péssima.” Na aparência, Ena Vilma estava ótima. “Jura? Ah, deve ser o blushizinho.” Ela é uma senhora esguia e alta. Seus cabelos bem cuidados e a maquiagem combinam com os óculos Chanel e a bolsa Louis Vuitton.
Uma mesma empresa executa as quatro obras feitas na cidade com dinheiro federal
Responsável pela liberação de recursos para as obras, a Caixa Econômica Federal afirma que os projetos em Glória estão no início e vêm sendo pagos de acordo com o andamento das obras. O empreiteiro, no entanto, reclama. “Era um bom negócio e está ficando inviável”, diz José Moreira Pinto Netto, proprietário da Caaba Engenharia. Pelo menos a Caaba pode ter a esperança de ganhar com a escala. A empresa executa as quatro obras feitas na cidade com verbas federais. A Caaba venceu três licitações. O secretário de Obras, Francisco Alves de Araújo, diz que a TCLOC, empresa ganhadora da licitação da Praça da Juventude,“terceirizou ou fez uma parceria” com a Caaba.
Glória se prepara para um crescimento em ritmo chinês. No dia 7 de junho, a prefeitura contratou por R$ 205.965 a Evereste Consultoria e Marketing para elaborar o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano. “Precisamos saber para onde Glória vai crescer”, diz Ena Vilma. A Evereste pertence ao veterinário Antonio Almeida Júnior, aliado de Negromonte. Atual diretor de Desenvolvimento da Secretaria da Agricultura da Bahia, ele já ocupou cargos públicos por indicação de Negromonte.
Enquanto Glória progride, o Ministério das Cidades traz dissabores a Negromonte. Em oito meses de gestão, ele ainda não conseguiu nomear seus assessores. Seu ministério foi o mais afetado pelo corte de gastos, decidido no começo do ano pela presidente Dilma Rousseff. A falta de cargos e dinheiro causou problemas em seu partido, o PP, a ponto de desestabilizar o ministro.
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