A Operação SUSto, executada na segunda-feira (01) por agentes da Polícia Federal em Ilhéus, que cumpriu mandado de busca e apreensão em quatro clínicas médicas da cidade acusadas de cobrar por procedimentos que deveriam ser oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) revela, em sua essência, a crise vivenciada por todo o sistema público de saúde do município, sua fragilidades e a forma encontrada por pessoas e instituições para ganhar mais dinheiro com a crise. Ou, no mínimo, ser beneficiada pelo caos. De acordo com o superintendente regional da Polícia Federal na Bahia, delegado José Maria Fonseca, que comandou a operação em Ilhéus, há concretas evidências de que clínicas particulares credenciadas a prestar o serviço público, estariam cobrando de pacientes humildes por procedimentos que cabem ao próprio estado ser responsável pelo pagamento. Documentos e equipamentos apreendidos por agentes em quatro clínicas da cidade serão agora periciados em busca de provas e materiais de comprovação do crime. Para a PF, a operação era clara. Pacientes que deveriam ser atendidos pelo SUS, mas que teriam que aguardar por pelo menos 60 dias numa fila interminável de pessoas na mesma situação, eram convidados a pagar uma taxa para "furar" a fila. O valor cobrado correspondia a metade de uma consulta particular, cerca de 60 reais, segundo foi apurado pela PF. Com necessidade de urgência para ter o atendimento, muitas pessoas se sujeitavam a pagar a taxa para minorar o sofrimento produzido pelos caos instalado no sistema público de Ilhéus. "Teve gente que deixou de comprar alimento para ter o privilégio", garante o delegado. Agentes da Polícia Federal chegaram a se passar por pacientes nesta condição de emergência para comprovar a denúncia. E comprovaram. Mas a versão de um dos acusados, o médico e ex-deputado federal Roland Lavigne, é outra. Na manhã desta quarta (03), ele concedeu entrevista ao Programa o Tabuleiro, da Conquista FM, e disse que não há absolutamente crime algum no procedimento feito pelas clínicas de Ilhéus. Para explicar como funciona a cobrança ele deu o seguinte exemplo: o paciente é consultado por um ortopedista que resolve lhe pedir um exame. Ele faz esta solicitação no formulário do SUS e para este ter validade é preciso ter uma nova autorização expedida pela Central de Regulação do sistema. Só que ao tentar marcar o exame, o paciente percebe que terá de esperar muito tempo para atingir seu objetivo. Então vai até o local do procedimento e de posse do pedido do médico, "agiliza" o exame, pagando uma taxa diferenciada, uma tabela criada pelas clínicas para pacientes do SUS nesta situação. Não há crime, segundo Roland, por que o procedimento só seria cobrado do governo, caso a Central de Regulação tivesse autorizado. Questionado pelo radialista Vila Nova se isso poderia ser feito através de um pedido em um formulário do Sistema Único de Saúde, o médico afirmou: pode ser nele ou num pedaço de papel de pão. Tudo é válido. E foi além: "Ele (o paciente) está sentindo dor, não quer enfrentar a fila do SUS para pegar a autorização da secretaria de saúde. Então vai e procura o médico e a secretária diz que exame custa tanto. Qual o crime que tem isso?", questionou. De fato, o modus operandi exempilificado pelo médico Roland Lavigne pode descaracterizar a cobrança dupla (SUS + taxa de agilização) do procedimento. Mas não deixa de cometer uma possibilidade real de manipulação e de realização de bons novos negócios. Veja por que: cada uma destas empresas possui uma quantidade de guias para usar mensalmente no atendimento gratuito à população. Esta quantidade jamais é informada ao paciente carente. Portanto, sem esse controle popular, é possível que a empresa prestadora de serviço use estas guias de acordo com o seu interesse, dificultando o atendimento gratuito e forçando o paciente a usar o critério da "fila furada", muito mais lucrativo para os médicos. Ademais, ao cobrar um preço diferenciado para os pacientes do SUS, as clínicas usam como parâmetro a condição do paciente, de prejudicado por um sistema que, na Constituição, é apontada como direito de todo brasileiro. Se a intenção, ao ir à emissora de rádio, era defender as quatro clínicas investigadas, Roland terminou mesmo, ajudando a Polícia Federal na investigação. Para Roland, a ação da PF em sua clínica foi "uma invasão" e ele se sente lesado pela operação. "A PF fez estardalhaço para encobertar os verdadeiros ladrões de Brasília", disse ao radialista Vila Nova. "Resguardamos os direitos dos mais necessitados", defende-se o superintendente da PF na Bahia. Segundo ele, nos próximos dias, a PF decidirá, após avaliar a documentação que tem em mãos, se o inquérito será ou não transformado em processo. A PF reconhece que esta cobrança ilegal já acontece há alguns anos em Ilhéus e garante que a investigação que resultou na Operação SUSto durou cerca de três meses. A causa - O credenciamento das clínicas e laboratórios em Ilhéus é um ponto nevrálgico na administração do prefeito Newton Lima. Quando o Partido dos Trabalhadores assumiu o comando da pasta, a secretaria de Saúde chegou a publicar um Chamamento Público que consistia em democratizar a distribuição de guias de atendimento na cidade, de acordo com a competência de cada instituição. Em resumo: as clínicas, hospitais e laboratórios teriam que se credenciar a oferecer determinados serviços e seriam cobradas pela qualidade. O Chamamento terminou não vingando. E por um simples motivo: para participar do processo, todas elas teriam que estar quite com documentações e impostos municipais, estaduais e federais. Com este critério, restariam poucas ou quase nenhuma habilitada. A prefeitura resolveu então distribuir as guias de acordo com a sua própria avaliação de importância, critério bastante questionado pelos que, obviamente, ficaram de fora. Às vésperas de pedir exoneração do cargo, o então secretário Jorge Arouca, publicou, por conta própria, no Diário Oficial do Município, o cancelamento de todos os contratos. Como estava de saída, resolveu mexer na ferida. A reação foi imediata. Muitos só ficaram sabendo da decisão do secretário demissionário (e por que não dizer incendiário), por intermédio de uma matéria exclusiva publicada pelo Jornal Bahia Online (clique aqui), inclusive o prefeito Newton Lima. Dias depois, a publicação foi tornada sem efeito e tudo voltou ao que era antes. A briga por poder e controle sobre o Sistema Único de Saúde em Ilhéus não é de agora. A reportagem do JBO apurou que não há absolutamente nenhuma fiscalização no uso destas guias. Todos os meses, as clínicas e laboratórios credenciados usam o teto do que lhes são autorizados. Dizem que fizeram. Mas não há absolutamente ninguém da secretaria de saúde que confirme isso. Recentemente, um fato chamou a atenção dos dirigentes da Prefeitura. Durante uma demorada paralisação de todos os servidores da Saúde, as clínicas não se fizeram de rogadas e se utilizaram do teto estabelecido. Ou seja: mesmo sem a secretaria funcionar, as clínicas atenderam 100 por cento da demanda a que tinham direito. Como pode? Com o caos estabelecido e um governo fragilizado, muitas vezes em débito com o fornecedor e sem condições de fazer grandes cobranças aos conveniados, muitos, ao que aponta a apuração da PF, enxergaram uma outra forma de ganhar dinheiro. É o que agora está sendo investigado, porque, mais uma vez, é a população quem paga - literalmente - o preço da ilegalidade.
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quarta-feira, 3 de agosto de 2011
Operação SUSto revela mais uma crise no sistema público de saúde de Ilhéus
Do Bahia On Line
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